Card Farrell: Papa quer leigos e mulheres assumindo papéis de responsabilidade na Igreja

“A Igreja não quer ‘clericalizar’ os leigos”, pelo contrário, o Papa Francisco quer atribuir aos leigos, e em particular às mulheres leigas, papéis de responsabilidade cada vez maior.

Foi o que sublinhou o cardeal Kevin Farrell, prefeito do Dicastério para os Leigos, Família e Vida, em entrevista concedida à revista “Intercom”, publicada pela Conferência Episcopal da Irlanda.

Respondendo às perguntas do diretor Chris Hyden, na edição de julho e agosto – em vista da reunião mundial de famílias celebrada em Dublin – o cardeal, ele próprio nascido na capital irlandesa – destaca como “historicamente os leigos” sempre “desempenharam um papel secundário na Igreja”. E como “infelizmente em alguns países ainda é assim”, seu dicastério procura “dar importância aos leigos”, visto que “se trata da maioria das pessoas que estão na Igreja”.

Protagonistas leigos

O Papa Francisco – confessa o cardeal – “disse-me abertamente de querer no Vaticano um dicastério que seja equivalente a todas as outras Congregações (para os bispos, para o clero, para os religiosos etc.)” em que os leigos sejam os protagonistas. “E com leigos ele não quer dizer pessoas que pertençam a movimentos eclesiais” – precisa o cardeal – mas “pessoas que vão à igreja”.

A Igreja não quer “clericalizar” os leigos

Neste contexto o cardeal esclarece que “a Igreja não quer” clericalizar “os leigos”, na consciência de que “há países em que os leigos levam em frente a Igreja”. E cita a este propósito a própria experiência como bispo de Dallas, para explicar que existem “paróquias com um orçamento anual de vinte milhões de dólares” e que “nenhum sacerdote jamais conseguiria administrar uma paróquia deste tamanho sem a ajuda de leigos competentes”.

Trazer as pessoas de volta aos valores autênticos e acima de tudo ao da vida familiar

Também em relação à família, o purpurado mostra ideias claras: menos clérigos, mais leigos. Recentemente, conta ele, “fui a um país falar sobre a Amoris laetitia e haviam organizado um encontro com 600/700 pessoas: 80% eram padres. Nunca haviam vivido a experiência. Quiçá conheçam a teologia moral, a teologia dogmática, em teoria. Mas daqui pra colocar em prática todos os dias … “.

Isso não significa, explica Farrell, que o Dicastério não tenha uma profunda consciência da “fragmentação da família” na sociedade contemporânea. Basta pensar, observa, que precisamente “por isso o Papa Francisco escolheu dedicar dois Sínodos” à família. Ademais, o modo como ela funciona “é o modo como irão a nossa cultura e a nossa sociedade, porque tudo está ligado à unidade de base da família. E o que experimentamos em relação a elas é o que projetamos na vida e na comunidade”.

Em suma, reconhece o prefeito, “há uma grande fragmentação nas famílias, mas ao invés concentrar-se em coisas negativas” – visto que “80 por cento do nosso trabalho diz respeito à situações de ruptura” – seria desejável conseguir “trazer de volta as pessoas aos valores autênticos e, sobretudo, àqueles da vida familiar ”.

Dificuldades econômicas incide na vivência familiar

O cardeal não esconde as dificuldades de muitas famílias fragmentadas, que muitas vezes “são projetadas na família sem necessariamente nascerem da família”. Entre estas, uma das principais é a crise econômica.

“Não há vida familiar quando mãe e pai às vezes têm que fazer dois ou três trabalhos cada um: não há tempo para os filhos; não há mais “vizinhança”. Eu me lembro de ter crescido em Dublin nos anos cinquenta. Havia este sentimento de vizinhança, todas as crianças na rua; todo mundo conhecia todo mundo. Eu acho que no atual contexto econômico isso é quase impossível. É uma realidade com a qual a família deve confrontar-se e conviver”.

Papel da mulher na Igreja

Por fim, o Cardeal Farrell fala sobre o papel das mulheres dentro da Igreja, convidando a estudar “cuidadosamente o que Francisco fez em silêncio e nos bastidores. O exemplo mais recente foi quando, pela primeira vez na história da Igreja, nomeou mulheres como consultoras da Congregação para a Doutrina da Fé”.

Trata-se de Linda Ghisoni, subsecretária justamente do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida; de Michelina Tenace, docente de Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana; e de Laetitia Calmeyn, docente de Teologia no Collège des Bernardins de Paris.

E “Francisco – continua o cardeal – fez isso coerentemente: antes de eu chegar dos Estados Unidos da América tivemos uma longa conversa. Conversamos sobre o papel das mulheres nos Estados Unidos e Francisco ficou surpreso ao saber que, entre o pessoal com cargos de direção da minha diocese, havia quinze pessoas, destas apenas três homens.

O cargo de chanceler é ocupado há vinte anos por uma mulher e o tribunal para as causas matrimoniais é formado principalmente por mulheres, todas advogadas canônicas; então, quando cheguei aqui, o Papa me disse não querer sacerdotes como subsecretários do Dicastério. Ele disse: “eu quero leigos. Dou a você dois anos.”

E então ele me deu o nome de duas pessoas que ele achava que deveríamos avaliar. Falei com as duas: uma não aceitou o trabalho, a outra sim. Por isso nomeamos dois subsecretários, posição sempre ocupada anteriormente por sacerdotes que estavam ao menos 20 anos no Vaticano. Essas pessoas nunca haviam trabalhado no Vaticano.

Uma delas, Gabriella Gambino, é pesquisadora em bioética na Universidade Romana de Tor Vergata, uma universidade que é tudo menos conservadora; a outra é a própria Ghisoni, uma mulher extremamente brilhante que ensinou direito canônico, mas que também tem doutorado em teologia. Ela é casada e tem dois filhos adolescentes. Gambino também é casada e tem cinco filhos. Assim Francisco, sem chamar a atenção, gradualmente coloca as mulheres em posições de poder”.

As funções administrativas na Igreja podem ser realizadas por qualquer pessoa

E à pergunta sobre para onde leva tudo isso, o cardeal responde que “há um perigo reconhecido por muitas pessoas, mesmo não de Igreja, em relação ao papel das mulheres: queremos transformá-las em clérigos? – perguntou-se – Não. Elas devem ser pessoas do mundo que vivem no mundo», foi a resposta.

Além disso, nenhuma das mulheres mencionadas que foram nomeadas para o Dicastério e para a Congregação “são membros consagrados de comunidades leigas; elas são mulheres casadas. E passo por passo isso acontecerá em todos os níveis da Igreja se seguirmos o exemplo do Papa Francisco”. Mesmo porque, conclui o cardeal Farrell, o Pontífice “percebe que as funções administrativas na Igreja podem ser desempenhadas por qualquer pessoa”. Elas foram desempenhadas principalmente por padres, mas também podem ser feitas por leigos”.

Fonte: Vatican News